quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Crônica de bar


Ontem, depois do trabalho, num barzinho qualquer da nossa modesta Londrina, me encontrei com um conhecido, que me contou sobre um episódio ocorrido entre ele e o sobrinho de seu melhor amigo.
Depois de uma loira gelada, ele começa o relato:

Então, rapaz, doze anos o garoto, e esperto, esperto demais. E por isso mesmo, sempre que tenho a oportunidade de conversar com ele, eu o faço. Gosto de testá-lo e descobrir até onde vai sua genialidade. Acontece que ele nem bem chegou em casa naquele dia e já foi puxando papo.
- E aí, tio, beleza?
-Beleza, Carlinhos. Como é que você tá?
-Ah, eu tô bem, tio. Você sabia que as minhas aulas já começaram?
-Hum, legal. E você já tá estudando muito?
-Mais ou menos. Por enquanto, a gente fica mais conversando sobre os assuntos que estão acontecendo no dia-a-dia.
-Ah é?!? E sobre o que vocês andam conversando? Eu vi que o seu time, o Corinthians perdeu mais uma... Emendei, provocando o garoto.
-Ixi tio, é ruim, hein, eu não torço mais pro Timão, não! Onde já se viu pagar US$ 22 milhões por um jogador? Já faz muito tempo que o futebol deixou de ser um esporte praticado pelo amor à camisa e se tornou um comércio! Sabe de quanto é o salário do Tévez, tio?
-Não, Carlinhos, quanto? perguntava eu, já pasmo pelo posicionamento crítico do garoto.
-286 mil reais, tio! 286 mil reais! O meu pai recebe 600 reais por mês, tio... Não é um absurdo?
Abismado com a maturidade do garoto, eu somente concordei com a cabeça...
É difícil hoje em dia você encontrar um garoto com essa mentalidade. Ainda mais um que adora jogar futebol.
-Mas então quer dizer que você não gosta mais de futebol?
-Não é por aí também, não é tio... A minha decepção é com as pessoas que transformaram esse delicioso esporte em comércio. Num meio de ganhar dinheiro. É lógico que eu continuo jogando minhas peladinhas! Afinal de contas, o futebol tem a grande vantagem de quebrar fronteiras, de aproximar as pessoas, e dar uma espairada na cabeça! Não é gostoso você reunir os amigos para aquela sessãozinha de futebol-arte num sábado de tardezinha?
-É sobrinho, acho que você tem razão...
E ele não parou por aí. Aliás, uma das características do meu sobrinho, era de ser muito comunicativo. E se ele se sentisse bem com quem estivesse ouvindo então? Aí era que ele não parava de falar mesmo...
-Então, tio, mas o que a gente estava aprendendo ontem, era sobre o funcionamento da Câmara dos Deputados Federais, que fica lá em Brasília. A professora aproveitou que teve a eleição da presidência da Câmara, e estava explicando o funcionamento da Casa, pra gente.
-Humm... Certo... Mas e o que mais te chamou a atenção, Carlinhos? Perguntei, mais pra dar um prosseguimento na conversa...
-Não, o que me deixou mais revoltado mesmo, tio; nessa hora eu levei um susto, tal foi a indignação do menino, que eu cheguei a achar que ele ia me bater, pois esmurrava o ar à sua volta, em gesto de protesto; foi a eleição do Severino Cavalcanti pra presidência da Câmara, com a promessa de elevar o salário dos deputados de 12.800 reais, pra 17.500, podendo chegar a 21.500 reais, caso um projeto de lei que aumenta o teto salarial seja aprovado.
Uma breve pausa pra respirar, pois o menino já estava ficando sem ar.
Eu cheguei a esboçar um comentário, mas ele já foi emendando:
-Agora, tio, fala pra mim: Qual emprego do mundo, te dá o direito de aumentar o seu próprio salário? Qual? Me diz?
E outra coisa: o que é que os caras fazem? Alguém sabe me dizer? Eu sei porque a professora explicou, mas alguém sabe? A minha mãe e o meu pai não souberam dizer...
Ah! ainda tem as férias de três meses! Três meses de férias, tio! Meu pai tem um mês, e olhe lá ainda! Sem contar que os caras ainda tem auxílio moradia, auxílio disso, auxílio daquilo...
Nessa hora, seu pai já estava indo embora, e veio chamar o garoto.
Ele me deu um abraço e já estava se levantando pra sair, quando eu ainda resolvi lhe perguntar:
-Mas e aí, Carlinhos, e você já se decidiu se quer ser médico ou advogado?
-Você tá louco? Ser médico? Advogado? Isso não dá mais futuro pra ninguém não... Eu já tô é procurando um partido político pra mim me filiar... É isso aí! E já quero começar como presidente!
Ontem mesmo nós lançamos as candidaturas para a presidência da nossa classe. Eu sou um dos candidatos! E o meu lema é: Carlinhos! Do povo, para o povo!
É tio, as coisas hoje em dia não estão tão fáceis assim não... E se pelo menos eu fosse bom de bola...! Paciência, né?!?! Ninguém é perfeito!
-Tchau, tio!
E nisso o menino foi saindo, enquanto eu começava a falar sozinho...
-Será que na minha idade eu ainda consigo um cargo na carreira política?!? Um "carguinho" qualquer de vereador, quem sabe prefeito? Será?!?

Foi aí então que ele virou pra mim eu perguntou:
-E aí? O que que você acha? Será que eu consigo?
-O quê?!? Ah, olha, a sua cerveja aí! Tá esquentando!
Andrey Negro Andrade