segunda-feira, maio 29, 2006

Desabafo

Retratos de uma sociedade

Um bairro qualquer, na periferia de uma cidade grande.

22:42.

Três jovens, amigos de infância, conversam na calçada, na frente da casa de um deles, quando de repente, a conversa é interrompida por um carro preto, sem placas, de onde saem três homens, e descarregam suas armas nos jovens.

Sem conversa. Sem explicação. Sem motivo.

Entram no carro, e saem em disparada. Não serão vistos por ali novamente. Mais tarde, descobririam que "pegaram os caras errados". Tarde demais.

A esposa de um dos três rapazes, corre assustada para fora, ao ouvir o cantar de pneus, denunciando a saída dos marginais. traz no colo a filha menor do casal. O menino, com 6 anos, vai agarrado às pernas da mãe. Aquela cena nunca sairá de sua memória: o corpo de seu pai, estirado no chão, embebido numa poça de sangue.

A mãe de outro, corre assustada para a janela, para tentar ver de onde viriam os tiros, pois sabia que o filho estava na rua. Seu grito de desespero, é abafado pelo estampido que leva embora a vida de seu menino. As lágrimas correm pela sua face.

O irmão do terceiro, viria a estranhar a demora do caçula após cerca de duas horas. Ambos teriam vindo do interior, tentar a sorte na cidade grande. Ao receber a notícia, chora como uma criança. Nada mais faz sentido.

Três mortes. Sem motivo algum. Três vidas, que se vão. Três famílias que nunca mais serão as mesmas.

Casos não solucionados. Culpados à solta. Inocentes, presos à um destino sem volta.

Uma história. No meio de tantas. Inúmeras. Histórias de uma cidade grande.



Não sei o que pensar. Ás vezes, sinto que irei acabar ficando louco, devido à minha impotência. Sou um homem frustrado. Gostaria de poder mudar todas as coisas que considero erradas...
Cada vez que leio ou vejo uma notícia na televisão como essa passagem logo acima, fico pensando:
Do que vale nossa vida? Todo nosso esforço? Nosso suor? Um sujeito trabalha, honestamente, ao meio de tanta corrupção e crime, mantendo-se firme em meio a tanta violência.
Para numa noite qualquer, num bate papo com os amigos, ter sua vida ceifada de uma maneira tão brutal e sem sentido.
Carrascos incógnitos, Mensageiros da Morte de uma comunidade decadente. Sem testemunhas. Sem culpados. Destróem famílias, ao levar embora maridos, filhos e parentes.

Como que num relâmpago, me vem à mente: Afinal de contas, em que mundo vivemos? Seria o fim da humanidade?
Como já dizia Hobbes: "O homem é o lobo do homem".
A raça humana transformou-se numa praga (afinal de contas já somos mais de 6 bilhões e esse número aumenta a cada dia), e estaríamos condenados a ser nosso próprio fim? O homem está fadado a ser extinto pelo seu semelhante? Ainda resta esperança à dignidade humana?


Porém, apesar de tudo isso, ainda consigo vislumbrar certas coisas que despertam e inflam minha esperança nos homens. Um exemplo:

Há algum tempo, vem passando na televisão brasileira, um programa, onde uma "babá" dirige-se até uma residência, a fim de ajudar os pais na educação de seus filhos.
À primeira vista, parece um programa direcionado apenas aos genitores de crianças problemáticas.
Porém, muito mais do que isso, já pude perceber diversas vezes como essa mulher consegue transformar a vida de toda uma família que, na maioria das vezes, encontra-se desestruturada, desorganizada, e sem respeito um para com o outro, num ambiente completamente diferente. Uma verdadeira família. Respeito, fraternidade, amor. Qualidades que são tão raras hoje em dia. Necessárias num ambiente familiar.

Exagero? Banalidade? Apenas uma fórmula para conseguir mais audiência? Não interessa. O importante é poder ver a mudança ocorrida dentro daquele meio, que deve ser considerada a base da sociedade, e, apesar de todas as desgraças e problemas que enfrentamos no dia-a-dia, percebermos que ainda somos capazes de nos emocionar diante de uma família unida e reestruturada.
É. Ainda resta esperança.
Andrey Negro Andrade